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domingo, 31 de março de 2013

Qual é o problema com “O Hobbit”?



Thorin enfrenta sozinho os 3 trolls (livro)

Novamente, vejo-me na obrigação de lançar luz à opinião da imprensa sobre “O Hobbit”, mais especificamente, sobre o filme.

Um conceituado impresso diário de outra capital do país publicou no dia 28 de março uma resenha sobre a adaptação de Peter Jackson “Uma jornada inesperada”, resumindo-a como um “déjà vu” e uma “cópia inferior de “O Senhor dos Anéis”, desprovido de roteiro, mas com o “xerox de um cheque milionário que alguém tenta descontar no banco pela segunda vez”.

Que o filme “O Hobbit” é e tem gerado um fenômeno mercadológico bilionário, isso não se discute. Mas isso não pode servir de argumento para desprover o filme de seus méritos, principalmente o roteiro (salvo as distorções que levaram inclusive Christopher Tolkien, filho e co-autor das obras do pai, J.R.R. Tolkien, a dar as costas para Peter Jackson, ver o antepenúltimo post). 

Vale lembrar que o roteiro do filme nada mais é do que a narrativa do livro modificada para a linguagem do cinema, guardados os acréscimos por conta exclusiva dos roteiristas. Sob esta perspectiva, dizer que “O Hobbit” não tem roteiro, é quase o mesmo que dizer que o livro não tem narrativa. Será?

Outro detalhe duramente criticado é o fato de Peter Jackson ter pegado uma narrativa de um livro só, divididi-la em três como estratégia de obter mais lucros financeiros. 

Qual é o problema nisso? De que outra forma os fãs de Tolkien poderiam ver extras como o mago Radagast em ação, ou assistirem uma parte da Azanulbizar, mesmo que sejam assuntos de outras obras de Tolkien? Como seria possível “convidar” mais pessoas a conhecerem “O Hobbit” original? Eu tenho certeza que uma legião de fãs “daria um braço” para ver cenas de outras obras de Tolkien inseridas no enredo de “O Hobbit” (o que penso que vai ocorrer nas duas próximas sequências).

Não que eu pretenda justificar e aprove as modificações do enredo original, penso que o filme deveria, tanto quanto possível, ser original à obra. Mas convenhamos: “O Senhor dos Anéis” teve lá suas alterações, foi um sucesso de bilheteria, e não me lembro da imprensa ter recriminado Peter Jackson e seu trabalho. 

Acredito, antes de qualquer ataque contra “O Hobbit” e suas derivações, que a opinião pública deveria agradecer que ainda exista alguém disposto a trabalhar arduamente para aproximar livros como este do grande público, cuja qualidade é verdadeiramente indiscutível, ao contrário da trilogia dos “50 tons” e afins que as editoras gostam de importar e disseminar no mercado brasileiro, isso sim um verdadeiro oportunismo de mercado que nunca vi a imprensa combater: editoras brasileiras deixam de valorizar talentos pátrios para comercializar o que é ditado no mundo anglossaxão, em geral literatura erótica barata, faturando seus dólares enquanto sua própria nação continua inculta e sem representantes na Literatura. Respondam rápido: Citem um nome de um jovem e famoso escritor brasileiro atual, conhecido por todos tanto quanto E. L. James?

Aliás, diga-se de passagem, o mesmo diário diz em outra de suas colunas que as obras da autora, também britânica, tem contribuido para o crescimento e popularização de clubes especializados em práticas sexuais que envolvem violência, aqui e no exterior.

Já que o jornal em questão usou Tolkien e James como assunto, poderia ter aproveitado e chamado a atenção do público para o fato de que as obras desta ofuscou a venda das obras do mestre (lembro-me de ver “O Hobbit” entre os mais vendidos apenas uma vez num conhecido ranking semanal, enquanto a trilogia dos “50 tons” não sai do topo desde que foi publicada).

A minha intenção não é dar lição de moral, minha preocupação é com as crianças: a sociedade está tão ocupada em excitar-se sexualmente a qualquer custo que está esquecendo o risco a que as crianças estão sendo expostas num ambiente influenciado por este tipo de literatura.

Retornando à matéria, ela segue, partindo para o ataque direto às personagens do filme/livro: eles não são “carismáticos”, “é quase impossível discerni-los e criar empatia por eles”.
Carismáticos sob qual ótica? Do clichê do “galã-de-novela-sempre-sorridente”? Quem não consegue diferenciar o veterano de guerra “durão” em Dwalin, o jovem inexperiente em Ori, as dificuldades do obeso em Bombur, o exímio arqueiro em Kili, a cordialidade no idoso Balin, a astúcia em Bofur, e assim por diante?
No que diz respeito à caracterização de cada um dos anões, o filme, na verdade, supriu uma lacuna deixada pelo livro, que não fornece muitos detalhes sobre todos. De qualquer forma, seja num ou outro, é preciso observação e sensibilidade, algo que a visão marqueteira não permite – tudo deve ser bem evidente, pronto e mastigado – o que basicamente, é o papel dos resenhistas.
Já não poder sentir empatia pelos anões, povo degredado, forçado a vagar de um canto a outro em busca de trabalho e sustento, sem falar que são sobreviventes de uma guerra que os marcou profundamente (Azanulbizar), chega a soar sociopático. 
Mas tudo, talvez, é porque anões não são como os belos e esguios elfos, ou pelo menos como os homens, com quem é mais fácil de se identificar – parece que ninguém quer se por no lugar de seres de baixa estatura, pobres e sem teto.
Thorin Escudo-de-Carvalho, o líder dos anões, recebe sua cota exclusiva de farpas, rotulado de “mal-humorado e arrogante” na resenha. De fato, Thorin não é um personagem simpático, nem acredito que Tolkien o criou para que o fosse. Portanto, vamos a um exercício de empatia, a qual aliás cito no meu livro “O Hobbit: Um amigo para seu filho” como um exemplo presente na narrativa: Thorin é um príncipe guerreiro que perdeu o avô, o pai, seu reino e muitos dos seus súditos de forma trágica, e tudo o que ele pensa é fazer-lhes justiça. 
Sinceramente, eu não conseguiria ser melhor que Thorin. Mas quem o definiu com as características acima ignora o reconhecimento e o abraço que ele dá em Bilbo por ter-lhe salvo a vida, o que no livro nem acontece. Ah, sim, está explicado: o(s) resenhista(s) não deve(m) ter lido o livro, e estava(m) tão atento(s) anotando os defeitos que não vira(m) esta cena.
E depois, vem a afirmação de que “ ‘O Hobbit’ é uma história sobre a importância de se ter uma casa (...). Mas é só na cena final que esse tema é revelado, minutos antes do fim.”
Será possível que ninguém prestou atenção que o ataque de Smaug  a Erebor deixou centenas de anões desabrigados logo no início do filme, dentre eles, os 13 anões que se reuniram na toca de Bilbo para tratar nada menos do que voltar para Erebor, assunto que aliás eles não mudam nunca?
Qual é o problema com os anões? Qual é o problema com “O Hobbit”?
Parece haver uma aura de desprezo em torno da obra e tudo o que lhe diz respeito, tentando classifica-lá como tão somente uma tentativa milionária de se fazer cinema à moda de “O Senhor dos Anéis”. 
Ou talvez porque “O Hobbit”, a princípio um conto de fadas para crianças, é ingênuo e profundo demais para quem está deveras enredado em suas vidas de adulto, sem tempo ou vontade para voltar sua atenção para um mundo de fantasia, de sonhos, de valores, de luta entre o bem e o mal.
No meu já citado livro, além de convidar adultos, e mesmo jovens e crianças, para lerem “O Hobbit” e captar os bons exemplos que ele traz, eu falo também em um trecho ou outro sobre a importância de se enxergar o lado bom das coisas, apesar das dificuldades, imperfeições, etc.
Toma menos tempo tratar tudo com superficialidade, atribuir rótulos, desmerecer, excluir, em nome da padronização e do “perfeito”. Essa é a lógica de mercado, contra a qual a resenha parece se levantar. Mas penso que houve uma inversão de papéis. Se Gandalf estivesse presente, até posso ouvir ele dizendo: “o feitiço virou contra o feiticeiro”.

segunda-feira, 25 de março de 2013

O Hobbit e a inclusão social



Dedico este post especialmente à Cris, quem me deu a sugestão para escrever este texto!

 Gandalf, Bilbo e os 13 anões avistam Erebor

O que um mago, um hobbit, e 13 anões têm em comum entre si?

Aparentemente nada. São raças diferentes no universo de Tolkien, com pensamentos, culturas e até mesmo línguas diferentes.

Mas, apesar da diversidade, este grupo está fortemente unido numa jornada em comum, visando um único propósito: recuperar o reino perdido de Erebor e seu tesouro.
Naturalmente, no início, nem tudo é consenso para Thorin e seus seguidores, especialmente no que diz respeito a Bilbo e aos elfos.

No post “Anões contra Elfos” (março), expliquei o motivo das reservas com estes últimos, que somente foram resolvidas no fim da jornada. Já quanto a Bilbo Bolseiro, a princípio um estranho medroso e indigno de confiança, o processo de aceitação evolui com a aventura.
Dois pontos que marcam a “inclusão” de fato do hobbit no livro é quando ele consegue escapar de Gollum, e depois, quando ele luta bravamente de espada em punho contra as Aranhas Gigantes da Floresta das Trevas, para salvar os anões, revelando seu legítimo valor.
Os atos corajosos de Bilbo mudam a forma que os anões o veem, de modo que passam não apenas a respeitá-lo, como também ter gratidão para com sua pessoa.

Eu cito essa passagem na minha obra dentro do conceito de respeito, o qual conceituo como “reconhecer os outros como portadores dos mesmos direitos que si mesmo, e ter consideração pelas suas palavras, atitudes, pela sua pessoa, enfim” (p.35).

Portanto, independentemente das características da pessoa, ela merece ser bem tratada junto ao grupo no qual está inserida, uma convicção que adquire importância especial nos dias atuais, em que é necessário viver numa sociedade cada vez mais diversificada, especialmente com a presença de indivíduos que precisam de atenção e cuidados próprios.

Eis, assim, mais uma pedra preciosa que pode ser encontrada no imenso tesouro que é a obra “O Hobbit”, de J.R.R. Tolkien, sobretudo do ponto de vista humanístico.
 
Para obter sua aceitação de fato no grupo, Bilbo teve que demonstrar muita coragem, porém, a maior demonstração de coragem vem dos membros de um grupo diante de alguém desconhecido e/ou diferente, para vencer o receio e muitas vezes o preconceito, para enfim realizar o simples, acolhedor e nobre gesto de estender a mão.

sábado, 9 de março de 2013

Filho de Tolkien lamenta abusos contra a obra de seu pai






Christopher Tolkien (Fonte: tolkienbrasil.com)






Desde a década de 70, a literatura de J.R.R. Tolkien tem influenciado outros escritores, artistas e mundo todo, através da heroica e emblemática luta de uma minoria contra o mal.

E muitos têm explorado o universo de Tolkien além da inspiração, numa cobiça exagerada e a qualquer custo comparável aos efeitos que seu “Um Anel” provoca em sua ficção – e agora fora dela.

Christopher Tolkien, um dos 2 filhos do autor que ainda vivem, de um total de 3, hoje com 88 anos, após 40 anos de afastamento total da mídia, concedeu uma entrevista exclusiva ao Le Monde no dia 09 em julho de 2012, na qual manifestou um profundo descontentamento com a forma que o legado de seu pai vem sendo explorado comercialmente.

De carona no sucesso de “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit” (os únicos que J.R.R. Tolkien publicou pessoalmente), muitos escritores, artistas e empresários levam ao mercado produtos e versões que não dão a mínima à sua essência, visando estritamente lucro comercial, num mercado que já movimenta bilhões de dólares – “Tolkien” praticamente se tornou uma espécie de “marca”.

Já ocorreram inclusive disputas judiciais entre os herdeiros de Tolkien e empresas que comercializam produtos inspirados nos escritos de J.R.R. Tolkien (inclusive a produtora New Line Cinema, que fez os filmes), motivadas por dinheiro e por deturpações da obra de Tolkien.

O exemplo mais claro disso, o qual Christopher fez questão de ressaltar em sua entrevista, são as adaptações para o cinema feitas por Peter Jackson – Em “O Hobbit: uma jornada inesperada”, por exemplo, existem contextos e personagem que não estão no livro.

 “Tolkien tornou-se um monstro, devorado por sua própria popularidade e absorvido pelo absurdo da nossa época. (...) Ampliou o abismo entre a beleza e a seriedade do trabalho, e o que ele se tornou. E já foi longe demais para mim. A comercialização reduziu o impacto estético e filosófico da obra a nada. Há apenas uma solução para mim: Virar meu rosto para outro lado”, disse indignado o filho do autor.

Ele teria inclusive se recusado a conhecer Peter Jackson, diretor dos filmes, justificando: “Por quê? Eles arrancaram as vísceras do livro, tornando-o um filme de ação para jovens entre 15 e 25 anos”.

Desde a morte do pai em 1973, Christopher, quem foi piloto de caça na Segunda Guerra Mundial contra os Nazistas, tem dedicado um esforço extenuante reunindo manuscritos do pai e debruçando-se sobre eles com o mesmo método, criatividade e paixão para levar ao público obras como: “O Silmarillion”, “Contos Inacabados de Númenor e da Terra Média”, “Os Filhos de Húrin”, “Mr. Bliss”, “O Fazendeiro Gill de Ham”, “As Cartas de Papai Noel”, etc.
“Por mais estranho que possa parecer, eu cresci no mundo que ele criou. Para mim, as cidades de O Silmarillion são mais reais do que a Babilônia”, comentou o herdeiro de Tolkien.

O Hobbit por Marcus

Diante de tamanho desconforto da família Tolkien com o oportunismo sobre seu legado para lucrar através de materiais de qualidade e fidelidade discutíveis, vejo-me na obrigação de esclarecer minha relação com as obras de Tolkien, e mais especificamente os fins do meu livro “O Hobbit: Um amigo para seu filho – os contos de fadas na educação das crianças”.

Posso dizer com segurança e provas que minha aproximação às obras de Tolkien (ironicamente, através dos filmes), e todo meu trabalho derivado na escrita e no desenho, foi resultado de uma profunda paixão e nunca visou fins financeiros. 

 o Rei élfico Fingolfin desafia Morgoth (O Simarillion), por Marcus Pedrosa

Minha relação com o legado de J.R.R. Tolkien sempre foi pautado pela legítima reverência de um discípulo para com seu mestre.

Quando publiquei o livro “O Hobbit: um amigo para seu filho” tudo o que eu fiz foi levar ao público um artigo escrito para avaliação de semestre na faculdade de Letras em 2004 (Inclusive, ter conhecido e mergulhado nas obras do mestre então impediram-me de desistir do curso, o que eu cogitava na época). Não fosse sua inspiração e os aprendizados que sua obra me proporcionou, talvez eu nunca tivesse escrito uma linha que fosse até hoje, seja sobre seu universo ou não, e Deus sabe em que caminhos eu teria me enveredado.

Assim, Tolkien para mim nunca será sinônimo de uma marca, dinheiro, fama, seja lá o que for de mais calculista e mesquinho – será antes de tudo um motivo para se viver, uma causa para se lutar, sempre – a maior premiação que recebi por contribuir, ainda que modestamente, para levar o seu legado a um número cada vez maior de pessoas, além de mantê-la viva.

Não sei se Christopher Tolkien e seus herdeiros têm conhecimento do meu livro e desenhos (muito embora eu os tenha enviado à Embaixada da Inglaterra no Brasil), enfim, espero que minha obra não seja vista como mais uma das garras do dragão ambicioso que está dilacerando o legado da família Tolkien.

A minha obra fala por si. Somente ousei publicar algo relacionado a Tolkien (vale dizer, o “esboço” do meu livro já existia desde 2004, quando sequer existia planos de se fazer um filme sobre “O Hobbit”), para convidar os leitores, antes de tudo, a ler os próprios livros de Tolkien e enxergar neles bons exemplos que possam especialmente ser transmitidos a crianças, como é natural a toda história contada – somos inevitavelmente expostos a bons e maus exemplos através de seus personagens.

E jamais permiti ou permitirei, em qualquer momento, que meu livro seja uma ferramenta para se enxergar alegorias (histórias dentro de histórias) ou tratar as obras do autor como “fábulas” (contos com fundo moral) – J.R.R. Tolkien detestava declaradamente estas, e negava qualquer tentativa de enquadrar seus livros naquela.

Finalmente, deixo a epígrafe de um outro trabalho meu (não publicado) sobre Linguística, inspirado nas línguas élficas, datado de 2005:

“Lendo os contos de Tolkien, eu aprendi a amá-los, a ponto de querer dar-lhes uma sequência infinita.
Por mais que eu me esforçasse nas Letras, eu não seria capaz de fazer o que Tolkien fez, ao registrar relatos de eras imemoriais da história da Terra. Restou-me fazer então o que seus personagens mais admiráveis faziam, como vultos lendários de bravura, honra e fidelidade.
Talvez eu não poderia dar continuidade às estórias, mas eu poderia ser parte delas.”

Leia mais sobre a entrevista de Christopher Tolkien na íntegra: