Smaug incinerando Valle
“A
noção de que carros possam ser mais “vivos” do que dragões ou centauros é
curiosa; que sejam mais “reais” do que cavalos é pateticamente absurdo.”
J.R.R.
Tolkien
Ninguém
estava lá para ver, ou talvez em eras posteriores alguém ainda cantasse sobre a
Batalha do Pico (...). Mas o que diriam nas canções? Aqueles que olharam para
cima de um ponto distante pensaram que a montanha estava coberta pela
tempestade. Ouviram trovões, e relâmpagos, diziam eles, atingiam Celebdil e
ricocheteavam em línguas de fogo. Isso não é o bastante?
Gandalf, falando
sobre sua luta contra o Balrog em Moria.
Em breve, na sequência da trilogia filmada de O Hobbit, “A desolação de Smaug”, o público será
apresentado ao grande vilão da jornada de Bilbo e os anões: O dragão Smaug.
Smaug é retratado como um dragão vermelho (ele é as vezes é citado como “Smaug, o Dourado” devido, certamente, ao brilho do ouro sobre o qual se deita refletido em sua couraça) com asas, de quatro patas, recoberto de escamas e pedras que tornam seu corpo impenetrável. Na obra, uma frase o resume bem: “um dragão especialmente ganancioso, forte e mau”.
Dragões são criaturas do imaginário humano de quase todos
os povos antigos, constituindo uma de suas manifestações culturais mais
remotas.
No caso da mitologia de Tolkien, os dragões são
tributários ao seu conhecimento sobre mitologia nórdica/ germânica, e seus
respectivos dragões e características.
Na lenda germânica de Siegfried
e Fafnir, uma das fontes que
certamente inspiraram a criação dos dragões da literatura de Tolkien, o anão Fafnir é transformado em um dragão pela
sua ganância, lutando contra o herói Siegfried.
Outra fonte de inspiração para o mestre de Oxford foi o
período medieval, cujas tradições e narrativas ele igualmente conhecia bem como
as do Ciclo Arturiano ou Rei Arthur. O próprio pai de Arthur, o rei Uther, era conhecido como Pendragon, ou “Pequeno Dragão”.
Ainda durante a Idade Média na Europa, houve inúmeros relatos sobre
dragões, inclusive de batalhas entre eles e humanos, os quais ganharam também descrições
detalhadas em vários bestiários da Igreja Católica, tidos então como registros
inquestionáveis de sua existência.
A imagem do dragão foi tão marcante no período medieval, que vários reis
o adotaram como símbolo heráldico (brasão que simbolizava a família do nobre).
Na literatura de J.R.R. Tolkien, os principais dragões
foram Ancalagon, o Grande, o qual
aterrorizou especialmente os elfos durante a Primeira Era, sendo derrotado por
Eärendil, um elfo que navegava os céus com um barco voador.
Também durante a Primeira
Era, existiu Glaurung, um dragão sem
asas quem, juntamente com sua prole, afligiu tanto elfos quando anões e homens,
especialmente os últimos. Na “Batalha das Lágrimas Incontáveis” (Nirnaeth Arnoediad) quase foi morto
pelas armas dos valentes anões de Belegost,
mas encontrou seu fim nas mãos de Turin,
filho de Húrin, quem enterrou-lhe
até o punho sua espada negra Gurthang.
Túrin mata Glaurung
Durante a Segunda Era,
período com poucos registros, praticamente não há grandes relatos envolvendo
dragões. Contudo, durante a Terceira Era, eles ressurgiram com força total.
Por volta do ano de 2570,
eles reapareceram no extremo norte da Terra Média e escolheram os anões como
suas vítimas prediletas para pilharem seus tesouros, uma vez que, conforme
explica Tolkien em O Hobbit, embora não possuíssem senso de valor, dragões eram
criaturas gananciosas que apreciavam o ouro, prata e pedras preciosas, sendo
capazes de dar falta da menor peça extraviada de sua pilhagem.
Em 2589, Dáin I, tataravô de Dáin II, ou Dáin Pé de Ferro,
senhor dos anões das Colinas de Ferro
(quem aparecerá nas sequências de O Hobbit no cinema) foi morto por um “dragão-frio”,
nas Ered Mithrin (Montanhas Cinzentas).
A propósito, conta-se que,
dos 7 Anéis de Poder dados por Sauron aos
reis anões, 4 foram destruídos pelo fogo de dragões (ver post anterior).
Pouco lembrado, há também Scatha, o grande dragão de Ered Mithrin
o qual também matinha uma grande e rica pilhagem, o qual foi morto por Fram, um dos senhores ancestrais do povo
de Rohan (A Terra dos Cavaleiros).
Finalmente, em 2770, Smaug
ataca Erebor, o reino de Thrór, avô de Thorin, dizimando seu povo e forçando os sobreviventes ao exílio e
à miséria.
Sem dúvida, ele foi o pior
de todos os dragões da Terceira Era. Tamanha era sua ameaça que Gandalf,
preocupado com o possível uso de seu terrível poder por Sauron, o qual já se manifestava
à procura de seu Um Anel para dominar
a Terra Média, procurou Thorin, quem queria se vingar do dragão, para
juntamente com o hobbit Bilbo
organizar uma expedição para neutralizá-lo em Erebor, tema maior da narrativa
de “O hobbit”.
Graças aos feitos indiretos
de Bilbo, Gandalf e os anões, Smaug é derrotado, fato que teve grande
repercussão no futuro, decidindo os rumos da Guerra do Anel, segundo o próprio Gandalf conta posteriormente a Frodo e Gimli (Ver post “Como thorin
e os anões salvaram a Terra Média).
Dragões
existiram de verdade?
Na História humana tida como “real”, os registros mais
antigos da fera datam de 40.000 anos a.C., através de pinturas rupestres feitas
por aborígenes australianos. A origem da palavra “dragão” vem do grego “drakôn”,
cujo significado seria algo como
“grande serpente”.
Da Ásia à Europa, existem várias descrições de dragões, passando
por diversos povos e culturas, desde simples cobras gigantes a seres
sobrenaturais dotados de poder. Dentre os indígenas brasileiros, por exemplo,
existe o Boitatá, uma cobra
gigantesca que cospe fogo e persegue quem incendeia florestas, enquanto entre
os vikings havia a terrível serpente
marinha Jorgmungand, que aterrorizava
os guerreiros nórdicos.
Curiosamente, essa onipresença cultural do dragão independe
de contato entre culturas, isto é, trata-se de um mito original de cada povo.
Sobre a existência dos dragões no mundo real, existem
duas teorias.
Uma delas diz que os dragões surgiram da simples
observação do ser humano primitivo de restos fósseis de dinossauros ou de ossadas
de outros animais gigantes, concebendo, assim, em suas mentes criaturas
gigantescas e ameaçadoras, as quais não raro se tornaram protagonistas de
lendas como adversários supremos de seus heróis. Sob esta perspectiva, dragões
não passariam de produto da imaginação humana.
Já a outra teoria baseia-se em evidências e registros
históricos, como os apontados acima (pinturas rupestres, bestiários, etc.), e
observação científica da natureza, método utilizado inclusive por um
documentário do canal Discovery Channel de
2006: “Dragões: Uma fantasia que se torna
realidade”, explicando como os dragões teriam existido de fato.
Assim como os povos primitivos poderiam ter imaginado (ou
deduzido?) a existência de criaturas terríveis através da observação de
esqueletos fósseis, estes por si só respondem em grande parte a pergunta. Ossadas
de répteis gigantes voadores, chamados vulgarmente de Pterodáctilos, e reconhecidos no meio científico, são comuns.
Mas há a questão do fogo: como uma criatura viva poderia
expelir chamas pela boca sem se queimar?
O “Besouro Bombardeiro” é um animal vivo que faz isso,
expelindo um líquido flamejante produzido por uma reação enzimática. Segundo o
documentário, num dragão, tal capacidade viria de um metabolismo singular,
cujas bactérias ao digerir o alimento no organismo liberaria Hidrogênio, gás
mais leve do que o ar e inflamável, ao invés do Metano e outros gases como
acontece nos seres humanos e outros animais. Isso explicaria, ainda, como uma
criatura tão grande poderia se manter no ar, auxiliados por de bolsas infladas
com Hidrogênio e por ossos de arquitetura semelhante à dos pássaros.
Outras teorias sustentam que as chamas viriam de uma
substância que uma vez em contato com o ar, entraria em combustão, como um dos isótopos
do elemento químico Fósforo (P).
Se os fósseis apontam de fato para a existência de
dragões, e sendo estes pré-históricos, como então os dragões podem ter sobrevivido
à grande extinção dos dinossauros?
Pode ser que os “fósseis de dragões” contemplados pelos
nossos ancestrais fossem de tempos posteriores à grande extinção (na
Pré-história há milhões de anos entre o “início” da História propriamente dita
e a suposta data de extinção dos dinossauros), a qual em si mesma é uma
hipótese: pode ser que nem todos os dinos foram extintos, neste caso, os
dragões teriam sido uma dessas espécies que sobreviveram no mundo (a capacidade
de voar teria sido um fator determinante) até serem extintos por um outro
motivo.
No meio científico, é indiscutível que a causa da extinção
do Mamute, o ancestral do elefante moderno (e lembrado na literatura de Tolkien
através dos gigantescos “olifantes” ou mûmakil
do povo haradrim, talvez um marco
cronológico interessante para se estimar em que ponto da linha cronológica “real”
os contos de Tolkien poderiam ser situados) foi devida à sua caça contumaz por
seres humanos. Da mesma forma, especialmente pela ameaça que representavam, não
seria exagero afirmar que os dragões foram extintos pelo homem até a Idade Média,
período rico em relatos de perseguição das feras, e após a qual cessaram de uma
vez.
Finalmente, por que um dragão como Smaug pilharia
tesouros? Talvez não por ganância propriamente dita, mas pelo fato de tesouros
como os dos anões serem mantidos em galerias secretas ou cavernas nas
montanhas, lugares preferidos pela criatura para estabelecer seus covis, como é
de costume dos répteis; ou ainda pela fascinação com o brilho do ouro e pedras preciosas,
comportamento típico de várias espécies, como os avestruzes, por exemplo.
Daí se eles podiam conversar com outros seres falantes
como um hobbit invisível, então fica a critério da imaginação pura simples, pois,
biologicamente, contrariando o relatado em muitas lendas, isso não teria sido
possível (a menos que, além de resistente ao fogo, suas bocas tivessem de um
aparelho fonador semelhante ao do ser humano, que aliás, é o único animal
conhecido até então com essa capacidade, mas nunca saberemos se isso foi ou não
verdade).
Esperemos o Smaug na tela dos cinemas aparecer para “ver
mais de perto” sua extinta (?) espécie.
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