Em
‘O Hobbit’, seja no livro ou na trilogia do cinema, é mencionada a Guerra dos
Anões Contra os Orcs, ou ‘Azanulbizar’ na língua anã (o conflito serviu de tema
para um livro recente ‘A Segunda Guerra dos Anões Contra os Orcs’, de autoria
não tolkieniana). A narrativa completa desse conflito se encontra nos Apêndices
de ‘O Senhor dos Anéis’.
Tudo
começou quando a sombra voltou a crescer na Terra-Média através de Sauron na
Segunda Era, quando ainda possuía forma física não repugnante, forjando o Um
anel e subjugando os nove anéis dados aos homens, o que não aconteceu com os
anéis dados aos anões e elfos, que não se tornaram sombras como os Nâzgul.
Foi
nessa época em que os anões de Moria foram mortos ou expulsos, assim como os habitantes
da Montanha Solitária, pelas garras do dragão Smaug.
Com
o passar do tempo, o rei Thrór, avô de Thorin Escudo-de-Carvalho, cansado da
peregrinação sem fim e da penúria, partiu na companhia de um serviçal rumo a
Moria, na esperança de reaver ali o que lhes foi tirado pelo dragão. Porém, mal
ele adentrou os portões, foi decapitado por ninguém menos que Azog. Houve então
uma grande comoção entre os anões, e eles levaram dois anos para reunir todo o
seu poder para vingar o velho filho de Durin.
Embora
o esforço de guerra dos anões fosse inigualável em fúria e armas, ainda estavam
em menor número que os orcs, que os aguardavam na maior parte descansados e
encastelados em Moria. A batalha diante dos portões foi inclemente, mas no fim Dáin
Pé-de-Ferro arrancou a cabeça de Azog, mas tudo o que os anões conseguiram foi
uma custosa vingança: Dáin havia olhado de soslaio pelo portão do velho reino e
visto o mal que espreitava em seu interior (se não diz exatamente o que é,
provavelmente o Balrog), e preveniu a todos que o melhor a ser feito era voltar
para suas vidas errantes. Dentre os anões que sobreviveram, mais da metade,
estavam feridos além de qualquer cura ou mutilados. Este foi o saldo de uma das mais heroicas
batalhas da Terra Média.
Dentre as principais raças de Arda, os Anões foram os únicos que nunca se curvaram à Sombra, razão pela qual o Mal os odiava mais do que qualquer outra raça.
Diante
de uma vitória tão amarga, fica a pergunta: os anões deveriam ter recebido
auxílio, já que combatiam um inimigo comum de elfos, homens e outras criaturas?
Parte
da resposta se encontra na característica marcante dos anões de serem
extremamente reservados e mesmo arredios em relação às outras raças,
especialmente os elfos, a quem detestavam abertamente, como já foi explicado em
‘Origem da Rivalidade Entre Anões e Elfos’. Além disso, eles sempre estavam
ocupados nas profundezas de suas minas e opulência, eles não tinham muito
interesse em manter relações sólidas com reinos de outras raças.
Com
Moria infestada de orcs; Erebor tomada por Smaug; Dalle calcinada; a Cidade do
Lago preocupada com o agora vizinho dragão;
Gondor alerta aos movimentos de Mordor; os Elfos da Floresta das Trevas
igualmente ocupados com o mal crescente na outrora Floresta Verde; Lothtórien oculta
e vigilante no alto das árvores de sua floresta; Isengard já secretamente a
serviço de Sauron; Rohan sem qualquer simpatia pelos anões como os elfos,
devido a um incidente envolvendo o rei Fram, no início dos Rohirrim, quem matou
o dragão Scatha e se recusou a entregar parte do tesouro aos anões que viviam
por perto, o que lhe custou a vida – parecia não existir poderio militar disponível
para se unir aos anões em sua guerra contra os orcs.
Por
outro lado, os anões combatentes, em sua maioria da então depauperada casa de
Durin, eram os que menos tinham condições de empreender uma guerra da
envergadura que tiveram contra os orcs. Por isso, sou da opinião de que os
anões mereciam sim ter sido ajudados, especialmente se levados em conta alguns
fatos expostos a seguir.
Na
Segunda Era, alguns elfos da linhagem dos Noldor habitavam um reino vizinho a
Moria, Eregion (ou Arzevinho), e eles estabeleceram um forte laço com os anões
dali, partilhando especialmente do conhecimento de metalurgia.
Em
Eregion vivia o renomado Celebrimbor, um dos maiores artífices da Terra-Média (foi
ele quem construiu os próprios portões de Moria). Tal renome fez com que Sauron
o procurasse para obter auxílio na confecção dos anéis de poder, a principio
sob o pretexto de servir como presentes que Sauron, conhecido na época também
como ‘Anatar’ por seu hábito de dar presentes, pretendia dar às três principais
raças de Arda.
Celebrimbor
ajudou de bom grado e ingenuamente Sauron, mas quando o seu trabalho foi
concluído, Sauron o aprisionou e torturou e roubou os anéis, forjando ele
próprio por fim o Um Anel para controlar os demais.
Eis
a questão. Ainda que inocentemente, ao forjar os anéis mágicos por influência
de Sauron, este sim com segundas intenções, Celebrimbor mudou o destino da
Terra Média – de alguma forma, Sauron precisava de Celebrimbor para executar
seu plano, já que é evidente que não poderia fazer todos os anéis sozinho. Tão
logo foi descoberto o ardil de Sauron, agora extremamente poderoso com a forjadura
do Um Anel, Eregion e Moria fecharam seus portões, e as trevas recobriram a
Segunda Era, com a multiplicação dos orcs e todas as criaturas maléficas.
Nesse
contexto, portanto, estavam os filhos de Durin, à própria sorte num mundo sob a
espreita do mal.
Dizem
que os anões cavaram fundo demais em Khazad-dûm (Moria) a ponto de despertar um
poderoso Balrog, criatura maligna das entranhas da terra da Primeira Era, e que
ele teria sido a sua ruína. Ato contínuo, com os anões dizimados pela criatura
terrível, os orcs encontraram no centro daquelas enormes galerias sob as
Montanhas Sombrias o covil perfeito para continuarem se multiplicando e
perpetrando suas crueldades. Mas isso porque houve condições propícias para
tanto, qual seja, a ascensão de Sauron.
Por
isso, a morte do rei Thrór não poderia ser interpretada como um evento isolado
do povo anão, sendo ao mesmo tempo consequência dos atos de um elfo ludibriado
que ajudou sem querer Sauron reunir todo o seu poder através dos anéis e magia.
Dessa perspectiva, ao invés de apenas acompanhar tudo à distância, os elfos
deveriam ter ajudado sim os anões em sua caçada aos orcs. Ainda, o próprio
êxodo dos anões de Erebor está relacionado ao crescimento da sombra em Mordor:
Smaug não era exatamente um servo de Sauron, mas era produto das mesmas forças
malignas agitadas naquele momento da Terra-Média.
Digo
os elfos porque havia uma aliança entre eles e os anões de Moria no passado, o
que deveria ter sido levado em conta pelos elfos, que optaram por não tomar
parte num confronto que lhes dizia respeito ainda que indiretamente.
Talvez
os homens daquele tempo pudessem prestar algum auxílio, mas seria improvável,
já que o único reino com poder bélico disponível à altura era Rohan, o qual
como já foi dito, tinha uma antiga rivalidade com os anões.
Isso
reforça ainda mais os elfos assumirem o papel de aliados dos anões em Azanulbizar, especialmente pelo legado de
Celebrimbor e da aliança que partilharam outrora com os anões.
Não
seria necessário que os elfos fizessem frente nas linhas de combate, um
batalhão de elfos armados com arcos-e-flechas nas encostas das Montanhas Sombrias
e escondidos nas florestas próximas já equilibraria o conflito em favor dos
anões, derrotando os orcs com o mínimo de perdas e abrindo caminho para os
anões poderem adentrar Moria e talvez até recuperá-la, como quis o rei Thrór,
que morreu tentando realizar este feito.
Os
anões têm os seus defeitos, mas servir Morgoth ou Sauron, a Sombra, enfim, isso
nunca fizeram, e por isso foram tão perseguidos por eles e seus agentes. Quando
voltavam sua vontade para o mal, era em nome da ganância por ouro, e nunca pela
maldade em si, ao contrário de outras raças, inclusive os elfos. Isso por si só
exibe a injustiça que tiveram de passar em Erebor e Azanulbizar.
Por
fim, é digno de nota que, naqueles dias, nenhum povo ousou se reuniu para combater
os agentes da Sombra e impor-lhe uma perda severa como aconteceu em
Azanulbizar.
Mas
vamos lembrar que, se J.R.R. Tolkien quis que fosse desse modo, é porque isso
tinha importância na trama. O que expus aqui é apenas um viés de como poderia
ter sido as coisas, segundo a própria lógica da narrativa. Mas é o autor quem sempre
decide os rumos da obra, principalmente se ele é J.R.R. Tolkien.
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