O "hobbit" Marcus e Gandalf
Saí da sala de cinema convencido de que Peter Jackson e
companhia não poderiam ter feito uma adaptação melhor do livro “O Hobbit”.
Como diz Gandalf, “histórias precisam de um polimento”, e o
filme de O Hobbit deu-lhe um à altura.
Na verdade fiquei surpreendido, o filme foi capaz de trazer,
em suas aproximadas 2:30 hs de projeção, muitas informações sobre o universo de
J.R.R. Tolkien além do conteúdo de O Hobbit puro e simples.
Primeiramente, Jackson precisava, creio, mostrar ao público
a ligação do filme com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, que está à frente na
linha do tempo. Daí o prelúdio onde Frodo aparece na companhia do tio Bilbo,
antes de “Uma jornada inesperada” propriamente dita começar, aliás, de forma bem
parecida com o desenho animado de mesmo nome de 1977, com Bilbo soltando um
anel de fumaça de seu cachimbo.
Cena que, diga-se de passagem, juntamente com outras de
Gandalf, Bilbo e os anões fumando seus cachimbos, rendeu na classificação da
faixa etária do filme a advertência “violência e drogas lícitas”, indicando-o
para jovens a partir dos 12 anos de idade (!)... Como se, no dia-a-dia, a
violência que crianças ainda mais jovens são obrigadas a presenciar ou mesmo
vivenciar dentro de seus próprios lares, sem falar nas drogas lícitas e
sobretudo ilícitas, inexistisse.
Bem, o que quero dizer é que o termo “droga lícita” para
algumas baforadas de cachimbo soou pesado e hipócrita demais, não que eu
defenda o consumo de tabaco seja qualquer substância legal ou não, da mesma
forma que não aprovo a violência, que no filme, da parte de Bilbo e os
“mocinhos”, nunca é gratuita ou desnecessária, existe tão somente para combater
o mal. Em que pese minha opinião, tal censura poderá privar desnecessariamente
muitas crianças da experiência fantástica que é ter um primeiro contato com a
obra de Tolkien através do filme. Mas questionar o que manda as leis do país, por
mais absurdo que seja, não é o propósito deste blog, fica apenas o registro de
uma observação.
O legítimo intuito de minha obra “O Hobbit: um amigo para
seu filho”, e deste site é comentar um conto fantástico proveitoso aos pequenos
(e por que não grandes também), do ponto de vista educativo. Vale dizer ainda,
que não trato a obra de J.R.R. Tolkien como uma alegoria, uma “prosa
doutrinária” como fábulas e outros tipos de “histórias dentro de histórias”, as
quais não agradavam ao mestre e nem eram escritas por ele.
No entanto, seja lendo ou vendo o filme, é impossível não
captar as lições de coragem, justiça, solidariedade, amizade, entre outras que
inclusive abordo no meu livro, longe de esgotar as possibilidades. Tolkien
sempre frisou que seu propósito era tão somente criar um mito para seu povo - e mitos e seus personagens, inevitavelmente, levam
a exemplos e inspirações, e é isso que levo em conta, preservando o ideal do
mestre de Oxford.
Naturalmente, a linguagem do cinema exige alguns toques
especiais, principalmente tiradas cômicas. O próprio livro tem sua dose de
humor, mas nada que chegue à exibição dos arrotos sonoros dos anões na toca de
Bilbo, isso foi invenção exclusiva dos produtores do filme, e obviamente, não
têm nada de instrutivo.
Outro “mal entendido” que eventualmente pode surgir tanto em
quem vê o filme quanto quem lê o livro é o fato de Bilbo ser considerado um
“ladrão”. Muitos podem questionar se é adequado tomar lições de um personagem
assim conceituado. “Burglar”, o próprio termo em inglês que Tolkien usou, de
fato é traduzido como “ladrão”, “arrombador”. A questão é que, quando Gandalf
resolveu inserir Bilbo na jornada, ele tinha em mente alguém que fosse capaz de
infiltrar-se na Montanha Solitária e passar despercebido por Smaug, e ninguém
melhor do que um hobbit tinha tais habilidades “furtivas”.
Assim, a palavra “ladrão” provavelmente foi um entendimento
dos anões segundo sua forma de pensar, ou ainda, a maneira mais simples que
Gandalf deve ter encontrado para convencê-los da necessidade de um elemento
estranho que pudesse invadir seus sagrados salões para espionar sem ser percebido.
No filme, o descontentamento de Bilbo com o tratamento de “ladrão” é evidente,
apoiado inclusive pelo velho anão Balin, o mais sábio e perspicaz da companhia.
De volta ao filme, (as informações adiante não visam à
crítica do filme, que para mim é irretocável, servirão tão somente para situar
melhor iniciados ao universo de Tolkien ou mesmo fãs acerca de seu enredo em
geral) as conexões com “O Senhor dos Anéis” se reforçam com a presença de
Galadriel e Saruman em Valfenda, numa reunião que não consta no livro, mas
chama a atenção por mencionar Sauron e o “Necromante”, um bruxo capaz de trazer
de volta espíritos malignos.
Na verdade, Sauron e o Necromante são a mesma pessoa. Quando ainda era servo de Morgoth, o “Senhor
do Escuro”, Sauron montou uma fortaleza no leste na Floresta Verde (na época de
Bilbo, conhecida como Floresta das Trevas), chamada Dol gudur,que na língua élfica Sindarin, quer dizer “Montanha da
magia negra”, a partir de então passou a ser conhecido como “Sauron, o
Necromante”, por despertar espíritos dos mortos para servi-lo.
Esta fase de Sauron, assim como Dol gudur, e Ungoliant, a primeira aranha gigante que
infestou florestas com suas crias (adiantando as aranhas gigantes que deverão
surgir nos próximos filmes, segundo o livro), são figuras de O Silmarillion, obra de Tolkien que fala
da criação de Arda (a Terra) e suas raças e eventos, sobretudo da 1ª e 2ª eras,
portanto, não estão em O Hobbit.
Ambos são citados no filme por Radagast, quem também não faz parte da trama de O Hobbit, e é um
personagem vagamente comentado pelo próprio Tolkien, exceto por ser um Istari, ou mago da mesma ordem de
Gandalf e Saruman, que preferiu retirar-se nas florestas para conviver com os
animais, principalmente pássaros.
Por alguma razão, Jackson resolveu explorar melhor este personagem
pouco conhecido, o que, para mim, foi uma grata surpresa. É comovente a intimidade que o personagem tem
com os bichos da floresta, e seu trenó de lebres foi inesquecível.
Através dele, reforçou-se a ligação de alguns eventos de O
Hobbit com as maquinações de Sauron, que pretendia recuperar seu anel e sua
força, servindo principalmente de explicação para os momentos de ausência de
Gandalf na jornada (como ele mesmo diz a Thorin no filme, “fui olhar à frente”,
ou seja, a Leste, Dol gudur, na Floresta das Trevas, caminho para Erebor).
Outra surpresa agradável foi a cena da Batalha de
Azanulbizar, a guerra entre os anões e os orcs, explicando o ódio entre as
raças; porque Thorin é chamado “Escudo de Carvalho”; e trazendo à cena o líder orc
Azog, morto nesta guerra, logo, inexistente na época de Bilbo e no livro.
Porém, Azog servirá de gancho para outro poderoso líder orc que deverá surgir
nos próximos filmes: Bolg.
Azanulbizar merece um post a parte, pois traz em si muitos
detalhes sobre Thorin e seu povo, e assim farei em breve.
De resto, 4 cenas do filme, na minha opinião, merecem
destaque:
- A cena da cidade de Valle, em todo seu esplendor, logo em
seguida destruída por Smaug sem nenhum motivo, mostrando sua indizível
perversidade;
- Quando Bilbo, invisível pelo anel, pensa em matar Gollum,
mas impedido pela compaixão, recolhe sua espada;
- A empatia e solidariedade que Bilbo demonstra logo depois com
os anões, quando decide seguir com eles: como ele já tinha seu lar, ele iria
ajudar os anões a recuperar o deles.
- E a melhor: a cena em que todos estão dependurados numa
árvore caindo na beira de um precipício: não importam as circunstâncias,
deve-se resistir com coragem, lutando com o que se tem às mãos (pinhas em
chamas), acreditando que pode chegar ajuda dos amigos (Bilbo salva Thorin de
ser decapitado) ou “do céu” (as águias gigantes). É a cena que resume a maior
mensagem da obra.
De resto, dentre outras mudanças e acréscimos que não
carecem comentários, a música “Song of the lonely mountain” encerra o filme com
chave de ouro, ou seria melhor, “chave de Erebor”, composta e interpretada por Neil
Finn, a qual também receberá um post exclusivo com a minha tradução para o português.
E a jornada continua...
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